‘Ser a única baiana tem um peso grande’, diz Rafaelle, capitã da Seleção – Jornal Correio

De Cipó para o mundo e do mundo para Cipó. Depois de erguer a taça da Copa América com a Seleção Brasileira feminina de futebol, a zagueira Rafaelle fez questão de voltar à cidade onde nasceu, no interior da Bahia. Foi recebida com uma “motocarreata” e se emocionou ao ver de perto o reconhecimento pelo feito conquistado. 

Aos 31 anos, a baiana com passagens por clubes como Changchun Yatai, da China, Houston Dash, dos Estados Unidos, além dos brasileiros Palmeiras e América-MG, vive o melhor momento da carreira.

Revelada pelo São Francisco, ela já não faz mais tantos gols como na época em que jogava como lateral esquerda no time baiano, mas foi a primeira brasileira a balançar a rede com a camisa do Arsenal, da Inglaterra, clube que defende atualmente. Na verdade, agora, ela vibra muito mais quando os gols não acontecem, como na Copa América, em que a defesa verde e amarela não foi vazada nenhuma vez sequer.   

O feito chamou a atenção dos apaixonados por futebol. Depois de alguns dias no interior do estado, a capitã do octa também vivenciou o assédio dos fãs na capital. Esta semana, Rafaelle foi uma das convidadas da programação da exposição “Memórias dos Nossos Craques”, promovida pelo Salvador Shopping até o dia 21, que relembra momentos e conquistas desde 1950 até os dias atuais. 

Além de responder a perguntas do público e distribuir autógrafos, a camisa 4 da Seleção também bateu um papo com o CORREIO. Na entrevista que você confere a seguir, Rafaelle fala sobre a ausência de Marta na conquista da Copa América, como é jogar no Arsenal e os desafios que o Brasil tem na Copa do Mundo do ano que vem, na Austrália e Nova Zelândia, e nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, na França. 

Com foi voltar para a Bahia após erguer a taça da Copa América?

Estou muito feliz. Foi uma recepção muito calorosa. Eu nem estava esperando isso. Eu escolhi estar aqui, porque gosto muito de estar com a minha família, com os meus amigos e foi muito legal. Fui recebida em Cipó com uma “motocarreata” e fiquei muito feliz, minha mãe se emocionou, foi lindo. Foi um reconhecimento que eu não tinha tido antes. Esse é meu segundo título em Copa América, mas acho que, pelo fato de eu ter sido capitã, pela cobertura que teve nessa Copa América, por não ter sofrido nenhum gol, a galera meio que abraçou e foi bem bonito.

Você sendo zagueira, como se sente com o fato da Seleção não ter sofrido nenhum gol na Copa América?

A gente ficou muito feliz com isso. Eu falava com as outras zagueiras que a gente tinha que estar preparadas, porque nossa meta era não tomar gols, mas se acontecesse, a gente não podia deixar isso nos abalar ou ao grupo. A parte psicológica é muito importante, principalmente em jogos decisivos. Ficamos muito felizes com o resultado, com tudo que conquistamos. Isso é um trabalho que não é só da linha defensiva, mas do time todo. Com a Pia (Sundhage, técnica da Seleção) a gente está marcando agora desde a atacante, então isso não é um mérito só da gente e da goleira, é um mérito do time todo. 

No São Francisco você jogava de lateral esquerda e fazia muitos gols. Sente falta de jogar mais avançado e balançar a rede com frequência?

É claro que fazer gols sempre é bom, mas eu não ligo muito de fazer. Se a gente não tomar, eu vou ficar mais feliz, só que tem aquela cobrança da família, dos amigos, para aparecer mais. Eu sou bem tranquila quanto a isso. Se a gente não tomar gols e sair com a vitória, eu vou estar bem feliz. Tenho feito gols, alguns de cabeça, de escanteios. No Arsenal eu fui a primeira brasileira a fazer gol com a camisa do clube e estou muito feliz com isso. Na Seleção eu sou uma das peças fundamentais na bola parada, um dos alvos, então o gol é consequência. Estar jogando bem e ajudando a Seleção Brasileira é o principal. 

Capitã da Seleção feminina, Rafaelle distribui autógrafos em shopping de Salvador (Gilberto Jr. / Divulgação)

De que forma esse título da Copa América impacta a Seleção Brasileira?

Principalmente pelas qualificações que esse título nos deu. Depois do título da Copa América, a gente classificou para a Copa do Mundo no ano que vem e para a Olimpíada de Paris, em 2024. Então, agora, a Seleção Brasileira tem dois anos já com calendário fechado para continuar dando trabalho pra essas meninas, para as divisões de base. Foi um feito muito importante, porque sem essas classificações a gente não teria um calendário para os próximos dois anos, então isso dá continuação ao trabalho da CBF e da Seleção nesse tempo. 

Foi um título conquistado sem algumas das veteranas, a exemplo de Marta. O que isso representa?

Foi um dos fatores que elevaram essa conquista, porque muita gente estava questionando se essa seleção estava pronta, se iria dar certo sem Marta [machucada], Formiga [aposentada]. Tinha muito desse peso e foi uma das coisas que a Pia passou pra gente, principalmente eu, que sou uma das mais experientes, que a gente precisava carregar o grupo, que tem algumas meninas mais jovens, que estão chegando agora na Seleção. Esse título veio para mostrar que o Brasil tem muito talento, que se a gente trabalhar bem, a gente consegue. Talvez não vá ter uma Marta de novo. Depois que ela voltar da lesão, ela vai estar com a gente de novo. Não vai ter uma Marta jogando, mas a gente tem 11 jogadoras lá dentro de campo e mais as meninas do banco, que sempre entram para ajudar. 

Como você enxerga esse momento da Seleção Brasileira? Como imagina a próxima Copa do Mundo e Olimpíada?

É um momento, eu não diria dos melhores, porque a gente está num processo de transição, com muitas meninas novas para agregar. Sem o peso da Marta nessa Copa América foi um pouco diferente. A gente espera contar com ela na Copa do Mundo e Olimpíada dos próximos anos. Acho que é uma seleção que promete muito, que tem meninas com muita qualidade e, se for bem trabalhada, acho que podemos ser uma das seleções que vão brigar por título nos próximos campeonatos. 

O Brasil ainda não venceu as grandes seleções do futebol feminino. Que peso isso tem?

A gente fazer com que isso não abale, porque nesses grandes campeonatos a gente vai acabar enfrentando seleções europeias, a dos Estados Unidos, nas fases finais. A gente tenta trabalhar isso para que não deixe que afete. É um trabalho que vem acontecendo. Essas seleções têm isso porque elas têm ligas muito fortes nos países delas, então a gente precisa de campeonatos mais fortes aqui no Brasil para que a gente revele mais jogadoras, para que a gente tenha mais jogadoras profissionais e, com isso, consiga fortalecer a Seleção Brasileira. Não adianta ter uma Marta, uma Formiga. E daqui a seis, sete ou dez anos? Não vai ter uma Rafaelle. A gente precisa que o campeonato daqui seja mais bem estruturado para que outras jogadoras apareçam e a gente consiga brigar com as seleções europeias e americana.

Como é ser a única baiana na Seleção?

Isso tem um peso grande. Depois da Formiga, com toda a história que ela tem e tudo que representa para a Bahia, um símbolo de raça, de resistência, ser a única baiana tem um peso grande. Eu encaro isso muito bem, acho que faço meu papel bem, dentro de campo represento não só a Bahia, como minha cidade também, mas é um peso grande porque a Bahia sempre teve grandes jogadoras. Formiga, Elaine, Fabi, que está no Inter hoje, então é um peso grande, mas acho que tenho feito meu papel dentro de campo representando bem o nosso estado. 

O que a braçadeira representa para você?

É outra responsabilidade bem grande. A Pia conversa bastante comigo, acho que o fato de eu falar inglês nos aproxima um pouco, mas acho que essa responsabilidade vem um pouco pela minha história. São mais de 15 anos de Seleção Brasileira. Tenho jogado muito com a Seleção e também lá fora em alta intensidade, então tento passar um pouco da minha experiência e profissionalismo para as meninas mais novas. 

Como é jogar no Arsenal?

É surreal. A gente usa a mesma estrutura que os meninos e encontrar eles no vestiário, na academia, é muito legal. Sem falar que a Premier League é uma das mais fortes que eu já vi. É muito disputada, os jogos são muito intensos e eu fico muito feliz de estar lá. Isso me prepara muito para estar na Seleção, para cada vez melhorar, porque eu estou treinando todos os dias com os melhores. Isso me ajuda bastante como atleta e é um sonho representar um time de camisa, de peso, que a torcida apoia. É uma visibilidade muito grande e eu só tenho a agradecer por estar vivendo esse momento. 

Com qual dos jogadores você conversa sempre lá no Arsenal?

Eu troco muita ideia com Gabriel Martinelli. Gabriel Jesus acabou de chegar agora, mas em breve a gente vai marcar uma resenha, um churrasquinho, só dos brasileiros.

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