‘Não temos preconceito elitista’, afirma o maestro Carlos Prazeres – Jornal Correio

O maestro Carlos Prazeres, regente titular e diretor artístico da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) há quase 12 anos, revela-se preocupado com o futuro da música de concerto: “Muitas orquestras brasileiras sofrem com a falta de público e até o Metropolitan Opera [companhia novaiorquina com mais de 150 anos de existência] pela primeira vez vendeu menos de 20% de seus ingressos”.

Carioca, ele destaca que a Bahia costuma estar na vanguarda da cultura e acha que, por isso, o estado precisa participar de uma transformação na música de orquestra, que deve se aproximar mais da sociedade. “A Osba tem a função de preservar artisticamente a sociedade baiana e de conversar com ela. Não pode ser um disco voador vienense pousado em terras baianas”, defende.

Foi pensando nisso que Carlos começou a conceber o espetáculo que será apresentado neste sábado (7) na Concha Acústica, às 19h: Osbrega – O Concerto do Amor, que será uma homenagem à música popular romântica brasileira, preguiçosamente rotulada de “brega”. No cartaz de divulgação do espetáculo, essa palavra aparece riscada, certamente para evitar o tom pejorativo e preconceituoso que ela ganhou.

A apresentação terá regência do próprio Carlos Prazeres, com a participação de 65 músicos da Osba – apenas um estará ausente – e com toda a pompa da música de orquestra, com instrumentos como violino, clarinete, oboé e fagote. Além disso, dois vocalistas interpretarão as canções: Ana Barroso e João Cavalcanti. A direção cênica e o roteiro são de Gil Vicente Tavares, conhecido por seu trabalho no teatro.

No repertório, estarão canções muito populares de um período em o rádio ainda tinha muito mais força que o streaming, como Fogo e Paixão, de Wando; Princesa, eternizada por Amado Batista); Torturas de Amor, de Waldick Soriano e Garçom, de Reginaldo Rossi. Artistas mais recentes, como Marília Mendonça e Pablo também estarão representados, com Infiel e Homem Não Chora.

Polêmica

Prazeres defende que a realização de espetáculos como este contribuem para a formação de público da música de orquestra e assegura que muita gente que vai a esta apresentação de sábado irá, em breve, a um espetáculo de música erudita da Osba. “Pode perguntar às pessoas que hoje vão aos espetáculos da Osba se elas tinham essa aproximação com a música de orquestra antes, por exemplo, de ver o Cineconcerto”, questiona o maestro, referindo-se ao espetáculo em que são apresentadas as trilhas sonoras de filmes como ET, Harry Potter e Star Wars. Com frequência, as sessões do Cineconcerto na Concha têm ingressos esgotados.

João Cavalcanti e Ana Barroso cantam as canções (fotos: Flora Pimentel e Pis Santos)

Recentemente, o diretor do Neojiba, maestro Ricardo Castro, questionou, num post numa rede social, a realização desses espetáculos em que orquestras incorporam o repertório popular: “Quando uma orquestra sinfônica estadual, depois de conquistar milhões inéditos para seu orçamento e poder contratar músicos excelentes, escolhe esse ‘título’ para promover um concerto que poderia ser tocado melhor por Lairton e Seus Teclados, estamos certamente entrando em um círculo do inferno nunca Dantes visto neste país”.

Mesmo sem citar o colega, Prazeres manda um recado:  “Tem gente que pensa que baixar preço é o suficiente para trazer pessoas aos espetáculos. Mas é preciso falar a língua dessas pessoas”, disse, acrescentando: “Não temos preconceito elitista. Pegar uma ‘elite’ que detém o poder do conhecimento e da cultura faz ela ficar para sempre como elite e o pobre, sempre pobre. A elite precisa se abaixar um pouco para conversar com os outros”.

Elite Brega

O diretor cênico Gil Vicente Tavares também não gosta do rótulo de “brega” que a canção romântica ganhou e cita o colega João Cavalcanti, com quem concorda: “João disse numa discussão nossa que a música popular brasileira se divide em duas: de um lado, estão Chico Buarque, Caetano, Paulinho da Viola e outros com melodia e letras sofisticadas; do outro, está a música popular romântica, que acabou ficando desprestigiada”. Gil Vicente diz que insistiu e conseguiu incluir no repertório de sábado pelo menos duas canções que ele fazia questão: o pagode Que Se Chama Amor, que foi sucesso com o grupo Só Pra Contrariar, e Homem Não Chora, porque, segundo Gil a canção interpretada por Pablo trouxe de volta a tradição da “dor de cotovelo” da canção romântica.

“O Brasil é classista, então a música ouvida pelas classes menos favorecidas economicamente passam a ser consideradas bregas. Mas as elites são mais bregas e mais cafonas. Ouvem coisas tão ‘ruins’ quanto, mas muitas vezes estrangeiras. Ella Fitzgerald [jazzista americana] tem, às vezes, letras tão bregas quanto É o Tchan”, cutuca Gil Vicente.

SERVIÇO

Osbrega – Concerto do Amor

Dia: Sábado, 7

Horário: 19h

Local: Concha Acústica do Teatro Castro Alves.

Regente: Carlos Prazeres

Convidados: Ana Barroso e João Cavalcanti

Roteiro e Direção cênica: Gil Vicente Tavares

Ingressos: Bilheteria do TCA e plataforma on-line Sympla

Valores: R$30 (inteira) e R$15 (meia).

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