As histórias do Centro de Salvador narradas por quem circula por lá – Jornal Correio

Pare e pense bem: quais são as publicações literárias sobre o centro da cidade? Quem as escreveu? Onde viviam essas pessoas? Um quarteto de artistas negros de Salvador se juntou para criar uma publicação contando, em diversas linguagens, sobre um Centro Histórico de quem vive no  Pelourinho, 2 de Julho, Politeama, Taboão, Barroquinha … 

Três autores assinam as histórias que marcam Recordações de Becos e Vielas, que será lançado nesta terça-feira (28), às 19h, no Consulado Rosa Malê, no Pelourinho. Ainda há uma fotógrafa, Priscila Fulô, que assina uma série de imagens pensadas especialmente para a publicação da Sociedade da Prensa, fruto das memórias e andanças à deriva do quarteto liderado por Mônica Santana, que assina 10 crônicas.

Cria da Fazenda Grande do Retiro, que se mudou para o centro na vida adulta para trabalhar no Grupo de Apoio e Prevenção ao HIV, Alex Santana assina cinco poemas. Nascido em Ilhéus e migrante para fazer mestrado e doutorado em Salvador, Gildon Oliveira leva a dramaturgia para o projeto.

Quem guia, no entanto, são as memórias das irmãs Mônica e Priscila, que viveram a infância e boa parte da adolescência no Pelourinho, provando de mudanças na região, como as reformas promovidas pelo governo do Estado nos anos 1990 e todos os caminhos da gentrificação daquela região.

“Minha família morava naquele território desde a década de 1930, gerações cresceram na mesma casa então eu tinha um manancial de memórias. Desde a graduação pensava em fazer algo sobre o Centro, falando das reformas dos anos 1990, da retirada das pessoas, a perspectiva de alguém que mora naquele território, que é um lugar turístico, que as pessoas vão se divertir, mas pouco vemos a perspectiva de quem vive ali cotidianamente”, disse Mônica, que encontrou na literatura o meio de colocar essa ideia no mundo.

Ela avalia que o livro é uma oportunidade de mudar a perspectiva das vozes que falam sobre esses espaços. “A partir disso surgem outras histórias, sensações, memórias, outro estado de estar na cidade. Não fizemos esse livro com o compromisso de mostrar um Pelourinho, uma Baixa do Sapateiro para quem é de fora. Não há comprometimento com um imaginário da cidade para consumo externo. É comprometido com a memória, a vivência e experiência de quem habita o lugar”, explica a autora.

Mônica Santana assina a organização e assina 10 crônicas do livro  (Foto: Priscila Fulô)

Alex Simões diz que, na infância, sair da Fazenda Grande para o centro era sinônimo de encantamento. Era o lugar de ir ao médico, fazer compras mais importantes e, particularmente, com o seu crescimento, de poder viver e descobrir a própria sexualidade.

O poeta vive no centro há mais de duas décadas e conta que teve a experiência de voltar a ser forasteiro nesses ambientes por conta das experiências das “nativas” Mônica e Priscila. “Tinha um mote, a casa de três gerações de famílias pretas no Centro Histórico e nossas interações,  estávamos o tempo inteiro falando de passado e presente, ativando nossas memórias a partir do que Mônica e Priscila passavam pra gente, cada um em seu campo”. 

“Eu li muito sobre a história do centro, um relatório do Iphan sobre o tombamento do Pelourinho, que não é de minha área. A arqueologia, os achados recuperados ali no processo de tombamento foram muito importantes. A gente se encontrava e a partir de nossos diálogos vinham palavras-chave e definíamos roteiro”, completou.  

Nascido na Fazenda Grande do Retiro, Alex viveu intensamente o Centro Histórico desde o início da vida adulta (Foto: Priscila Fulô)

Para Gildon Oliveira, um dos momentos mais bacanas durante o percurso de construção do livro foi justamente o exercício do processo criativo. A ideia de colocar várias linguagens literárias no trabalho tem o objetivo de criar atmosferas distintas para quem ler, fazendo contrapontos entre o passado do centro antigo e seu próprio presente.

O projeto editorial e gráfico de Laura Castro e Tiago Ribeira bebeu nas fontes das antigas publicações feitas nas gráficas da Ladeira do Taboão. O formato resgata os velhos livros de bolso, as molduras e fontes das obras publicadas na primeira metade do século XX, bem como os gradis e texturas dos casarões. 

Gildon escreveu uma pequena peça teatral para o livro, que tem três linguagens literárias diferentes (Foto: Priscila Fulô)

“Os diálogos entre a cidade e a página surgem dos ornamentos presentes na arquitetura de ruas como as do Pelourinho, do Carmo, da Barroquinha, da Praça da Sé. Em busca de uma certa memória gráfica da Bahia, nas ruas que percorremos junto às autoras deste livro, percebemos como dialogam a arquitetura, o urbanismo e a tipografia, como se encontram, antigas, as histórias das páginas e das ruas” detalha Laura Castro.

O lançamento contará com um Sarau, envolvendo leitura dramática do texto teatral, bem como de outros textos do livro. Contando com a participação de Gustavo Melo Cerqueira, Jocélia Aguiar, Laís Machado e Marcia Lima, o evento terá entrada franca e é aberto ao público.

Ficha técnica

Recordações de Becos e Vielas

Autores: Mônica Santana, Alex Simões, Gildon Oliveira e Priscila Fulô

Editora: Edtóra Sociedade da Prensa

Páginas: 191

Preço: R$ 30

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